O Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou nesta segunda‑feira, 8 de abril de 2024, que o país conta com 575.930 médicos ativos, o que equivale a 2,81 profissionais de saúde por mil habitantes – a maior taxa já registrada na história do Brasil.
A informação vem do levantamento realizado a partir do cadastro nacional de profissionais, atualizado em janeiro de 2024. O número representa um salto de 6,5 % em apenas um ano, de 538.095 médicos em 2022 para 572.960 em 2023, antes de chegar ao patamar atual. Essa expansão supera em muito o ritmo de crescimento da população, que avançou apenas 42 % entre 1990 e 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Contexto histórico: da década de 90 ao presente
Em 1990, o Brasil registrava 131.278 médicos. Nos últimos 34 anos, o quadro quase quadruplicou, enquanto a população subiu de 144 para 205 milhões de pessoas. O CFM estima que a taxa média anual de crescimento da força‑labour médica tenha sido de 5 % – oito vezes superior ao aumento populacional, que ficou em torno de 1 % ao ano.
Esse cenário se deve, em grande parte, à proliferação de cursos de medicina nas últimas duas décadas. De acordo com a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM Unicamp), o número de vagas em medicina aumentou de 4.000 em 2000 para mais de 15.000 em 2023, impulsionado por políticas de expansão do ensino superior.
Os números em detalhe
- 571.930 médicos ativos em janeiro de 2024.
- 2,81 médicos por 1.000 habitantes – taxa comparável ao Canadá (2,8) e superior a EUA (2,6), Japão (2,4), Coreia do Sul (2,5) e México (2,3).
- População brasileira: 205 milhões (IBGE, 2024).
- Setor de saúde representa 9,7 % do PIB, equivalente a US$ 135 bi, segundo a Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde).
- 7.309 hospitais (63 % privados) e 500.253 leitos hospitalares, conforme dados da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP).
Impactos no Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede privada
O SUS, que atende cerca de 72 % da população (164 milhões de pessoas), tem se beneficiado da maior oferta de profissionais, principalmente nas áreas de atenção básica. No entanto, a distribuição geográfica ainda é desigual: regiões Norte e Nordeste registram densidades inferiores a 1,5 médicos por mil habitantes, enquanto o Sudeste concentra mais de 4,0.
Na esfera privada, 51 milhões de brasileiros possuem planos de saúde, atendidos por mais de 400.000 dentistas e milhares de especialistas. A crescente oferta de médicos tem estimulado a abertura de clínicas de especialidades, mas também gerado competição por vagas de residência, que permanecem limitadas.

Visões de especialistas
“O aumento acelerado dos médicos é um reflexo da demanda reprimida e da expansão das faculdades”, afirma Dra. Ana Paula Monteiro, coordenadora de política de saúde da Universidade Federal de Minas Gerais. “Entretanto, precisamos equilibrar a oferta com a qualidade da formação e garantir que os novos profissionais cheguem às regiões carentes.”
Já o presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS), Dr. Rodrigo Silva, alerta que a simples quantidade não resolve problemas estruturais: “Precisamos melhorar a infraestrutura, ampliar leitos e investir em remuneração competitiva para reter médicos no SUS.”
Perspectivas para os próximos anos
O CFM projeta que a força‑labour médica ultrapasse 600 mil profissionais até 2027, impulsionada por novos cursos e pela abertura de vagas de residência aprovadas pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). A tendência, contudo, depende de ajustes regulatórios que garantam a qualidade do ensino e a distribuição equitativa.
Se a taxa de crescimento mantiver o ritmo de 5 % ao ano, o Brasil pode alcançar 3,0 médicos por mil habitantes até 2030 – ainda abaixo da média da Organização Mundial da Saúde (OMS) para países de alta renda, que gira em torno de 3,5.

Histórico da formação médica no Brasil
Ao contrário de muitas nações, a especialização não é obrigatória para iniciar a prática. Após concluir a graduação, cerca de 70 % dos médicos ingressam diretamente no mercado de trabalho, muitas vezes em unidades de atenção primária. A residência, quando buscada, tem carga horária mínima de 2.800 horas, distribuídas ao longo de dois a cinco anos, com bolsas financiadas pelo governo ou pelos próprios hospitais.
Essa flexibilidade tem fomentado a entrada rápida de profissionais, mas também gera discussões sobre a necessidade de aprofundar a qualificação antes de assumir cargos críticos.
Perguntas Frequentes
Como essa densidade médica afeta o acesso à saúde nas regiões menos favorecidas?
Embora o número total de médicos tenha crescido, a distribuição ainda é desigual. No Norte e Nordeste, a taxa permanece abaixo de 1,5 por mil habitantes, o que limita o acesso a consultas e procedimentos. Políticas de incentivo à fixação de profissionais nessas áreas são essenciais para equilibrar o cenário.
Qual é a relação entre o aumento de médicos e o custo do SUS?
O maior número de profissionais pode elevar a folha de pagamento, mas também melhora a eficiência e reduz tempo de espera, potencialmente diminuindo custos indiretos. O desafio está em equilibrar remuneração justa com a sustentabilidade financeira do sistema.
O que a expansão das faculdades de medicina significa para a qualidade da formação?
A rápida abertura de cursos tem levantado preocupações sobre infraestrutura, corpo docente e carga prática. A CNRM tem intensificado a avaliação de programas, mas ainda há lacunas que podem impactar a competência dos novos graduados.
Como o mercado de saúde brasileiro se posiciona na América Latina?
Com um valor de US$ 135 bilhões e mais de meio milhão de leitos, o Brasil lidera o setor de saúde na região. O crescimento da força‑labour médica reforça essa posição, atraindo investimentos e consolidando o país como referência em serviços hospitalares e farmacêuticos.
Quais são as projeções para a taxa de médicos por mil habitantes nos próximos cinco anos?
Se mantiver o ritmo de crescimento de cerca de 5 % ao ano, o Brasil pode chegar a 3,0 médicos por mil habitantes até 2030. Isso ainda ficaria abaixo da média da OMS para países de alta renda, mas representaria um avanço significativo em relação à situação de 2020.
É impressionante observar como o Brasil caminhou de 131 mil médicos em 1990 para quase 576 mil em 2024, um salto que reflete não só a expansão quantitativa, mas também a complexificação do ecossistema de saúde. Essa trajetória revela um fenômeno de densificação de capital humano que pode ser analisado sob a ótica da medicalização da sociedade, onde a oferta de profissionais se correlaciona com a demanda por serviços especializados. O aumento de 6,5% em apenas um ano aponta para políticas de incentivo à graduação que, embora eficazes em números, levantam questões sobre a qualidade da formação acadêmica. A proliferação de vagas – de 4 mil em 2000 para mais de 15 mil em 2023 – indica um mercado de ensino superior que responde a pressões demográficas e econômicas, mas que também pode gerar saturação de recursos didáticos e docentes. Além disso, a discrepância regional – com o Norte e Nordeste abaixo de 1,5 médicos por mil habitantes – evidencia uma distribuição espacial assimétrica que requer intervenções regulatórias específicas. Vale lembrar que o SUS, ao atender 72% da população, ainda enfrenta gargalos de infraestrutura que não são solucionados apenas pela quantidade de profissionais. A retenção de médicos em áreas remotas depende de incentivos financeiros, condições de trabalho adequadas e oportunidades de desenvolvimento profissional, fatores que vão além do mero cálculo de taxa por mil habitantes. Do ponto de vista econômico, o setor de saúde representa quase 10% do PIB, demonstrando que o crescimento da força‑labour médica tem impacto direto sobre a balança de pagamentos e a capacidade de investimento do país. Porém, se não houver um alinhamento entre expansão de vagas e a garantia de qualidade educacional, corremos o risco de diluir a competência clínica, o que pode comprometer a segurança do paciente. A Comissão Nacional de Residência Médica tem um papel crucial na validação dos programas, mas a velocidade das mudanças pode superar o ritmo de avaliação. Ainda assim, a perspectiva de ultrapassar 600 mil médicos até 2027 sinaliza um movimento inexorável de maturação do sistema de saúde brasileiro, que precisa ser acompanhado de políticas de distribuição equitativa. Em síntese, os números são animadores, mas o desafio reside em transformar quantidade em qualidade e garantir que cada cidadão, independentemente da região, tenha acesso a um atendimento digno e eficaz.