Caruru de São Cosme e Damião: a tradição baiana que une fé e sabor

Caruru de São Cosme e Damião: a tradição baiana que une fé e sabor

Da história dos santos aos orixás Ibejis

Quando o calendário católico aponta 26 de setembro como o dia de São Cosme e Damião, a população baiana costuma marcar a celebração no dia seguinte. Essa mudança de data não é aleatória; ela reflete a forma como as crenças europeias foram ressignificadas pelos povos africanos trazidos ao Brasil. Cosmas e Damas, irmãos médicos que viveram na Ásia Menor, foram martirizados no século III e, desde então, são padroeiros dos farmacêuticos e dos cuidados com a saúde.

Nas casas de candomblé e umbanda, a mesma ideia de irmãos gêmeos aparece nos Ibejis, orixás que representam a dualidade, a infância e a proteção. Quando a Igreja Católica começou a ser praticada pelos escravizados, a associação entre os santos e os orixás ocorreu de forma natural: dois pares de irmãos, duas histórias de ajuda ao próximo. Por isso, o 27 de setembro passou a ser celebrado como o dia dos Ibejis, consolidando um exemplo clássico de sincretismo religioso no Brasil.

Caruru de sete meninos: mais que comida, afeto em forma de prato

Caruru de sete meninos: mais que comida, afeto em forma de prato

O caruru é um ensopado de quiabo, camarão seco, amendoim, azeite de dendê e temperos típicos. Na noite da festa, as famílias preparam o que chamam de “caruru de sete meninos”, referência ao número de crianças que tradicionalmente são ofertadas ao prato. Não se trata apenas de alimentá‑los; a preparação funciona como um ritual de oferenda a quem se deseja saúde, riqueza e alegria.

Essa prática transforma o alimento em “comida afetiva”, termo usado pelos baianos para descrever pratos que carregam sentimentos, desejos e promessas. Ao servir caruru, o anfitrião entrega não só sustento, mas também um voto de boas‑vindas a quem chega, renovando laços de solidariedade e esperança.

O ritual se estende para fora do calendário de São Cosme e Damião. Em batizados, aniversários e até casamentos, o caruru aparece como garantia de que a criança ou o casal viverão momentos felizes e protegidos pelos Ibejis. Essa continuidade reforça a ideia de que o prato acompanha a pessoa ao longo do ano, mantendo viva a conexão espiritual e cultural.

  • Ingredientes principais: quiabo, camarão seco, amendoim torrado, azeite de dendê, cebola e pimentão.
  • Modo de preparo tradicional: refogar a cebola no dendê, acrescentar o camarão e o amendoim, depois o quiabo cortado em rodelas, mexendo delicadamente para não perder a textura.
  • Momento de consumo: a refeição costuma ser dividida entre familiares, vizinhos e visitantes, tudo ao som de cantos de roda e batuques que reforçam a atmosfera festiva.

Assim, a celebração do caruru de São Cosme e Damião não é apenas um evento gastronômico; é um ponto de convergência onde fé, identidade cultural e comunidade se encontram. Cada colherada traz consigo a história dos irmãos santos, a proteção dos Ibejis e o desejo coletivo de um futuro próspero para todos que compartilham a mesa.